terça-feira, agosto 13, 2013

A dama do mar.


Ela cresceu selvagem e linda em um farol no mar. Filha do faroleiro. A mãe era... Melancolia. Acabou a vida num hospício. Depois o pai se afogou. Ele também era estranho.

Sabe como são as jovenzinhas, cheias de sonhos e expectativas, mesmo as que foram bem educadas. E essa menina... com esse passado! Ela ficaria à beira-mar e deixaria seus sonhos deslizarem sobre as ondas.

Minha dama do mar. Prometi tomar conta dela. Ficar com ela. Cuidar dela. Ela veio morar comigo. Longe da água. Aceitou ser minha esposa. Mas não consegui acabar com seus devaneios.

*

As focas, na verdade, são pessoas que, por vontade própria, se lançaram no mar e se afogaram. Todo ano, na Noite de Reis, elas podem vir à costa e tirar suas peles de foca. Ficam iguais a qualquer pessoa.

Até o amanhecer, quando devem retomar a forma de foca, elas dançam e brincam nas rochas e grutas perto da praia. Fazendo de conta que são humanas de novo. Como elas se divertem.

Havia um garoto numa fazenda em Milkladalur que ouvia pessoas dizerem que, na Noite de Reis, as focas se reuniam em uma praia não muito distante da vila. Então, naquela noite, ele foir lá ver se era verdade. Escondeu-se atrás de uma rocha na frente de uma gruta. Quando o sol se pôs, ele viu focas virem nadando de todas as direções para onde ele estava escondido. Quando chegaram à costa, elas retiraram suas peles de foca e as deixaram sobre as rochas lisas, na praia. Ele mal podia acreditar em seus olhos. Elas eram exatamente como pessoas comuns.

Pessoas comuns! Gordas e magras. Velhas e jovens. Altas e baixas. Comuns, menos uma.

Foi então que ele viu a mulher mais bela de sua vida sair de uma pele de foca. Viu que ela colocou a pele em uma rocha próxima. O garoto rastejou até lá, pegou a pele e voltou ao seu esconderijo.

O grupo de focas dançou a noite toda, e, quando começou a clarear, elas voltaram às suas peles. A bela mulher-foca não conseguiu encontrar a sua e apertava as mãos e se lamentava, porque o sol estava prestes a surgir. Mas, um pouco antes que isso acontecesse, ela sentiu o cheiro da pele e implorou ao garoto que lhe devolvesse a sua pele de foca. Mas ele saiu andando, e ela teve que segui-lo o caminho todo até a fazenda.

Até a casa. Até sua cama.
Para fazer dela uma mulher comum. Para fazer de si mesmo um homem.
Ele a tomou como esposa. Ela o amava. Tiveram filhos. Ela amava os filhos, especialmente o primeiro, um menininho com estranhos olhos de um branco-azulado. Mas o marido tomava cuidado que ela não achasse a pele de foca. Ele a mantinha trancada em uma arca e sempre levava consigo a chave.

Um dia, ele foi pescar com os outros homens do vilarejo e, enquanto esperava com paciência o peixe fisgar a isca, sua mão roçou o cinto, no lugar em que costumava pendurar a chave. Qual não foi seu espanto quando percebeu que devia ter esquecido a chave em casa. Sufocado de aflição, ele gritou: "esta noite, não terei mais esposa." Remou de volta o mais rápido que pôde, correu para casa e, como imaginou, sua esposa havia partido.

As crianças estavam sentadas, tranquilas. Para que não se machucassem sozinhas em casa, a mulher tinha apagado o fogo e trancado as facas e objetos cortantes.

De fato, ela tinha achado a chave e aberto a arca e, ao ver a pele de foca, teve que pegá-la e, depois, correu para a praia, vestiu a pele e mergulhou no mar. É daí que vem o velho ditado: "Ficar tão desvairado quanto a foca que encontra sua pele."

Quando ela pulou no mar, seu companheiro-foca a encontrou e, juntos, nadaram para longe. Todos esse anos ele tinha esperado que ela voltasse para ele.

Quando os filhos que ela teve com o homem de Mikladalur desciam à praia, sempre se via bem perto da costa uma foca que os observava - e todos achavam que se tratava da mãe das crianças.

Como pode contradizer uma lenda?


Um comentário: