sexta-feira, abril 27, 2012

Talvez.




Talvez, um dia, eu saiba o que quero. Hoje, tenho certeza que não.
Sinto apenas que nada disso me serve sem que, porém, soubesse o que serviria. Essa é minha certeza.
Sem saber que fazer machuco sem desejar, aos outros e a mim. Sabendo que as duas dores são imensas.

O amor que carrego de nada serve. A não ser como desculpa mal colocada que como mão insensível aprofunda a adaga no corpo já ferido. Sinto então que o melhor que faço é permanecer sozinho, para que a dor que eu cause seja no máximo a distância que imponho, não mais o fardo de ações incompreensíveis.

Um comentário:

  1. “Vem por aqui” — dizem-me alguns com os olhos doces
    Estendendo-me os braços, e seguros
    De que seria bom que eu os ouvisse

    Quando me dizem: “vem por aqui!”
    Eu olho-os com olhos lassos,
    (Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
    E cruzo os braços,
    E nunca vou por ali…


    A minha glória é esta:
    Criar desumanidades!
    Não acompanhar ninguém.

    — Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
    Com que rasguei o ventre à minha mãe
    Não, não vou por aí! Só vou por onde
    Me levam meus próprios passos…

    Se ao que busco saber nenhum de vós responde
    Por que me repetis: “vem por aqui!”?

    Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
    Redemoinhar aos ventos,
    Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,

    A ir por aí…

    Se vim ao mundo, foi
    Só para desflorar florestas virgens,
    E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
    O mais que faço não vale nada.

    Como, pois, sereis vós
    Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
    Para eu derrubar os meus obstáculos?…

    Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
    E vós amais o que é fácil!
    Eu amo o Longe e a Miragem,
    Amo os abismos, as torrentes, os desertos…

    Ide! Tendes estradas,
    Tendes jardins, tendes canteiros,
    Tendes pátria, tendes tetos,
    E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios…

    Eu tenho a minha Loucura!
    Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
    E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios…
    Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!

    Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
    Mas eu, que nunca principio nem acabo,
    Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

    Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
    Ninguém me peça definições!
    Ninguém me diga: “vem por aqui”!

    A minha vida é um vendaval que se soltou,
    É uma onda que se alevantou,
    É um átomo a mais que se animou…

    Não sei por onde vou,
    Não sei para onde vou
    Sei que não vou por aí!"

    Cântico Negro de José Régio

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