
Ela olhava para o mar.
Do sul da cidade sentada no alto de uma colina que termina no mar pudera ver muito bem a maravilha que era Eilat. No entanto, naquele momento, era para o mar que se voltava. Aquela imagem preenchia toda a sua visão e o azul daquele mar parecia ser um azul que nunca vira antes. Era a própria cor azul feita líquida.
Ficara lá durante um bom tempo e estava sozinha havia o dia todo. Das 9 da manhã às 9 da noite. Nunca experimentara isso na vida e estava distante de tudo e de todos que conhecia, mais livre do que sequer chegou a pensar. Andara pela cidade e visitara lugares, sem muito falar. Sentia-se como uma fantasma a caminhar, observando pessoas e os lugares como que a não ser vista. No alto daquela colina essa sensação a tomara por inteira e fazia com que alcançasse uma quietude por dentro, uma plenitude silenciosa e sorridente que não transparecia, mas que a retinha com força. A solidão daquela sensação não era ruim, totalmente o contrário, era para ela o sentimento novo e intenso de ser apenas ela naquele momento. Afinal não havia mais nada. Não havia mais ninguém, não conhecia nada ali, não sabia falar aquela língua. Sem obrigações, sem horários, sem ninguém que esperasse que fizesse algo de alguma forma. Apenas Ela e a imensidão do mar. Imensidão que viu em si naquele momento.
Pensava devagar e sem pressa, se deixava levar por aquele novo sentimento completamente contemplativo. Lembrara da sua família, do seu cachorro, de sua casa. Dos amigos, dos esportes, faculdade. De seu ex-namorado. Ali nenhum deles parecia fazer sentido. Pareciam amarras.
Amava a todos com um amor verdadeiro e diligente, mas se sentia agora como um tanto sufocada. Seu novo tamanho fazia parecer que aquelas paredes a esmagavam. Seu pai e seu moralismo mal dissimulado. Sua mãe e sua vida de prós x contras de resultado igual à sujeição justificada e racionalizada. Seu irmão. Seu cachorro velho e doente. Dos amigos de amizades de horizontes restritos, profundidades questionáveis. Dos prazeres que rapidamente se tornam obrigações. Do seu ex-namorado.
Desse último não sabia o que pensar. Tinha amor por ele, um carinho fora do comum com certeza. De todos era o que parecia conhecer melhor quem ela era fora daquela vida pré-estabelecida, como ela se via naquele grande momento. Ainda assim se afastara dele e ele dela. De alguma forma era igual aos outros, ainda que bem, esperava muito dela. Ela não gostava disso, a oprimia, já tinha muito disso na vida. Isso acabou por afastá-la. Pensava se talvez o amasse ainda, de qualquer forma não tinha mais disposição para os esforços que um relacionamento exige. Sendo com ele, nada pequenos.
Mesmo assim ele voltava aos seus pensamentos. Como não queria combate e deixava-o vir. Pensava que ele se orgulharia de sua liberdade e compreensão, ele sempre esperou isso. Sorriria seu sorriso alegre com seus olhos tristes, passaria sua mão pelo rosto dela e ela fecharia os olhos. Ouviria-o dizer - Eu sabia. Sim, ele sabia! Como em outras vezes estaria certo quanto às expectativas e capacidades em relação a ela. Ela se admirava com isso e ficava assustada. Nunca compreendera essas certezas, o faziam parecer bobo, mas nem sempre ele errava. Não. Acertara muitas vezes que ela conseguiria coisas que sequer imaginava.
Pensou que ele deveria estar ali. Sim, ficaria em silêncio ao seu lado por todo o tempo e ela sentiria seu amor e se sentiria mais segura em sua presença. Poderia ver o orgulho nos olhos dele e sua felicidade. Mas não, sabia que não daria certo. Ele aprendeu a agir dentro dos limites que ela demarcou, mas sabia que ele gostaria de mais. Ela também gostaria por vezes, não sempre. Não sabia como agir. Seria um esforço estarem sempre bem lado a lado e ela já havia se cansado em dobro: ele se recusava a se cansar. Isso a atormentava. Como tinha um bom coração de verdade não gostava de injustiça qual fosse, mesmo que ele aceitasse e não se importasse também de verdade.
No final das contas a liberdade e compreensão de si que ela experimentara agora eram em algum sentido um presente dele, valores dele que ela pôde apreender e vivenciar naquele momento, se orgulhar de si. Mas a presença dele ali acabaria com tudo, a força que dele transbordava indicaria um caminho e além dele. Queria seguir em seu passo e direção, não na pressa em que ele se testava sempre mais e sem descanso. Ficou a pensar nisso.
Se levantou ainda olhando admirada o azul do mar. No alto de sua colina e de seus 20 anos não era mais uma garota agora. Deixou os pensamentos voarem em todas as direções por alguns momentos e os recolheu, ouvindo as vozes do vento, das ondas e da terra aos seus pés. Recebeu delas sua paz e se despreocupou. Fechou os olhos. Firmou os pés. Juntou as mãos. Segurou com cuidado seu coração. Seus lábios se moveram sem que se pudesse ouvir. Beijou o ar de olhos fechados, virou-se, sorriu e se foi.
Ali, pendurada no ar ficou: Shalom.
Beijou o ar de olhos fechados, virou-se, sorriu e se foi.
ResponderExcluirBela imagem.