segunda-feira, junho 14, 2010

Tarde da noite.



É tarde da noite e minha cabeça gira. Gira rapidamente. Meu corpo todo permanece onde está mas minha cabeça realmente parece observar o mundo girar a minha volta. Em velocidade suficiente para me manter imóvel, mas ainda assim me incomodar. Fico apenas sentindo isso, como se eu merecesse.

Falo com ela, já faz tanto tempo.

Ela me diz de seus planos e da sua vida. Fala com alegria e certa indiferença. Eu sorvo cada palavra escrita por ela. Me diz de sua viagem e eu penso na minha, imediatamente em como largaria ela para poder acompanhá-la. Não tenho dinheiro para tanto, nem mais ímpeto (quero crer), e ela não acharia tão bom. Minha cabeça continua a girar, meu tornozelo dói e parece inchar cada vez mais. Parece que tudo quer me dizer como minha vida é pior que a dela. Ela é feliz, eu não. Ela é feliz sem mim, eu não sem ela.

A maldita tontura não passa, continua a me punir por sentir. Continuo a pensar em palavras para ela, desenhos, gravuras e fotos. Ainda penso em tocá-la, em seu corpo e alma. Ela continua tão bela.

Nada muda.

A cidade permanece em silêncio, todos dormem e apenas o jornal da noite traz um pouco de vida à sala. Assaltos, assassinatos e futebol. A TV parece irônica ao mostrar o mundo correndo lá fora. A TV sorri para mim e me diz da banalidade do meu drama e de suas próprias notícias. Ela insiste, é tudo igual. Ainda espero mais palavras, me controlo para não cometer os erros de sempre. Tenho que ser um robô, respostas programadas para não se excederem para mais nem para menos. É o papel que me reservo hoje.

Merda, robôs não sentem tontura e a minha não passa. Não passa e penso em uma cerveja. Pena não ter uma.

Volto a falar com ela e escolho as palavras com um cuidado cada vez maior, quanto mais eu penso mais tudo gira e parece escapar, zombaria pura do meu esforço babaca. Decido partir e me despeço. Tchau. Ela tchau. É isso. Rastejo até o filtro e bebo água, me dirijo à cama e apago a luz. Mesmo no escuro, e sozinho, tudo continua a girar.

3 comentários:

  1. Um dos véus de Maya é aquele que faz-nos pensar que o amor foi em vão. Certo está o Poeta quando diz que qualquer forma de amor vale a pena quando a alma não é pequena

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  2. a visão do caos urbano do sujeito essencialmente caboclo. pós-modernismo à flor da pele.

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