sábado, setembro 10, 2011

Sonho de uma noite de verão.


Em muitos sentidos foi um sonho. Um sonho de uma noite de verão.

Como em um conto de Kafka eu havia me transformado. Não em uma barata gigante, mas havia diminuído de tamanho, tinha agora centímetros de altura. De tal forma que fiquei invisível para todas aquelas pessoas atarefadas com seus afazeres diários.

Naquele cenário esfumaçado de um subúrbio coberto de névoa eu sabia que devia entrar em uma daquelas casas apertadas umas as outras, com suas fachadas sujas e velhas e seus habitantes ignorantes endurecidos por aquela vida dura e má, como eles. Sabia exatamente em que casa entrar e quem me esperava lá dentro, também na mesma condição. Assim fui direto, caminhando entre o lixo da rua e os pés que passavam sob aquelas cabeças que andavam voltadas para o chão, como a carregar todo o peso do mundo sobre seus ombros, sem sequer passarem perto de me ver, tão absortas que estavam em tantos problemas.

Chegando à casa não tive dificuldades em passar por debaixo da porta e chegar ao seu interior. Como que por teleporte eu estava sobre uma cama, em um quarto anexo a entrada, em uma porta a direita, e caminhava rumo a cabeceira onde se encontrava uma garota. Tinha a minha esquerda uma janela empoeirada que transformava a vida lá fora em um quadro móvel e cinzento, parecia esperar a tempestade de areia derradeira, à varrer tudo.

Chego à garota a muito conhecida e vejo seu rosto voltado para a janela. Ela não esboça nenhuma surpresa em me ver e tem medo em seus olhos. De pronto entendo seu medo: nossa transformação recente a assusta. Me deito ao seu lado e a entrelaço com meus braços, puxando sua cabeça para meu peito. Ainda assustada ela relaxa um pouco e permanecemos assim algum tempo. Sobre meu peito ela olha para a única janela do aposento. As figuras lá fora se movem pesadamente e a luz que entra, barrada pela poeira incrustada no vidro, é tão pouca que o quarto é todo penumbra. sem nunca deixarmos de olhar para a janela compreendo minha alegria com nossa transformação e o medo dela.

Fora do mundo que corre lá fora e através da janela me sinto livre e de volta ao lugar que um dia tive com ela. Algum canto escondido, pouco visível, onde não haja nada a não ser eu e ela, sem o céu tempestuoso e todo o peso que mantém as cabeças lá fora olhando para o chão sem que consigam enxergar seus próprios pés. O quarto, a penumbra, a separação bem marcada pelo nosso tamanho e pela janela cinzenta me deixam confortável para não me importar com mais nada fora daquele abraço. Se a estranheza da transformação me assusta em um primeiro momento, agora entendo ela como a possibilidade de viver novamente toda a estranheza do nosso passado. Diminutos permanecemos à margem do mundo lá fora, tendo apenas eu a ela e ela a mim. Ninguém nos vê, ninguém sabe de nos.

A mim me agrada e sei da perenidade da situação. De alguma forma sei que tal como menor ficamos, repentinamente ficaremos maior a qualquer momento. Pouco importa, importante é achar, mesmo que por mágica, esse lugar fora do mundo a muito perdido.

Olho novamente para a garota e a vejo aconchegada em meu peito. Seus olhos porem continuam com medo...

... em algum lugar acordo com todos os meus 1 metro e 70 centímetros esticados na cama.



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