quarta-feira, novembro 24, 2010

Grande Guerra ao Mundo.


Ele era um velho soldado que lutou suas grandes guerras com ânimo e vigor. Vestido em seu uniforme de gala o oficial condecorado e altivo vivia agora sozinho em uma trincheira, para onde fora morar depois do final das hostilidades. Não havia onde se sentisse mais confortável que no abrigo de suas batalhas, mesmo que elas já estivessem cessado a algum tempo. A trincheira era sua casa. Passara tanto tempo em guerra que aquele rasgo no chão, como feito por baioneta divina, sustentado por madeiras úmidas e pelos corpos dos que morreram escorados àquelas paredes, era para ele o único lar. Apenas conseguia conviver com seus mortos camaradas de batalhas.

Dos obuses fez seus vasos para plantas, de canhões seus móveis e de esqueletos a muito esquecidos sua decoração viva, dormia sobre fuzis e metralhas e seu colchão era de munição antiga que já não se podia mais atirar. Tinha uma vida dura da qual não se envergonhava, era assim havia de ser para ele. Aceitava. Algumas vezes no sono sonhava em cores, campos distantes que não fossem malditos por tanto sangue derramado e corpos decompostos, cores vivas que não o preto, branco e verde musgo que tingiam tudo em sua trincheira. Acordava vendo em cores e desejava isso, após levantar da cama o sépia tornava, ele não se importava.

Sobre antigas peças de artilharia e blindados enferrujados haviam quadros de toda a família, e onde quer que fosse os via olhar para si. Se endireitava, mantinha posição, honrava aquela história, ela lhe dizia o que tinha de ser e lhe devia dar orgulho. Ele até se orgulhava, já não mais de tudo.

Vez por outras subia sua cabeça. Antes olhava ao redor com seu periscópio, para se certificar de que não havia inimigo. Punha então sua cabeça pouco acima do nível do solo. Procurava ligeiro, olhava ao redor. Algumas vezes alguém o encontrava, por mero descuido, seus olhos acostumados a procurar inimigos vez por outra não enxergavam uniformes diferentes e assim alguém conseguia se aproximar. Lhe causava estranheza e algumas vezes se admirava dessas pessoas e de seus uniformes distintos. Ficava surpreso consigo.

Rapidamente tornava à trincheira.
Seus olhos viam sempre no horizonte distante um vapor mostarda a se aproximar, veneno de morte para ele. Havia então de se esconder antes que chegasse. Nunca chegara, é fato, mas ele sabia estar lá fora, a sua espreita. Corria antes, não vacilava. Antes que pudesse morrer asfixiado punha sua máscara e retornava a trincheira.

Entre madeiras podres e corpos amigos ali era seu lar.



Um comentário:

  1. "(...)
    Eu durmo pronto pra guerra,
    E eu não era assim, eu tenho ódio,
    E sei que é mau pra mim,
    Fazer o que se é assim,
    Vida loka cabulosa,
    O cheiro é de pólvora,
    E eu prefiro rosas
    (...)"

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