sábado, julho 17, 2010

Vermelha.

Eu estava sentado na cama dela. Ela, em uma cadeira próxima a mim. Falava de seus casos e transas passadas, dos homens de que havia gostado e dos quais não. Falava daqueles que havia amado e daqueles que a haviam feito gozar. Eu ouvia atento, encostado entre a cama e a parede, apoiado em seu travesseiro. Uma faixa vermelha envolvia sua cabeça e me deixava com a impressão de que ela toda era Vermelho. A cor me lembrava outra, muito mais calma, serena, me lembrava sua pele escura e seu adorno rubro no pescoço. Era um tanto desconcertante.

Eu continuava a ouvir e falava um pouco. Olhava para ela e a ouvia falar com ânimo, a movimentar os braços, balançar as pernas. A via entusiasmada, falava de um, de outro, de suas emoções e de seus prazeres. Por vezes tive impressão de vê-la de olhos aquosos ao lembrar-se de alguém, a encobri-los com um sorriso, com a água dos olhos a equilibrar, tímida. Parecia que isso ela não queria mostrar, seus sorrisos eram meio felizes e ela continuava a se mascarar.
Ela precisava e continuou a falar, ainda sem perder o ânimo. Eu tentava, mas falava pouco e facilmente me perdia nas curvas da sua fala, a pensar se os soldados japoneses ainda lutavam a Grande Guerra na Indochina. Me esforcei e falava casualmente, a emocionei ao falar que se descobrir é difícil, mas esconder-se completamente é o apocalipse. Não lembro por que disse isso e não entendi o porquê dela se emocionar. Realmente a tocou.

Passamos a noite a conversar e ela falou de mim com carinho, ainda assim um tanto chateada. Pedi desculpas, não sei se ela aceitou, sorriu amarelo. Continuamos a conversar e eu já precisava ir embora, me perguntando o que fazer. Ainda sentia que ela queria se abrir, não propriamente comigo, mas ficava feliz que eu a ouvia. Eu me surpreendia com os sentimentos de que ela falava, ela os escondia muito bem cotidianamente e agora parecia ser outra pessoa. Parecia muito mais uma mulher com suas esperanças e aflições, cheia de sentimentos. Apesar de toda sua indiferença, pragmatismo, da falta de sentimentos com que se relacionava, apesar da sua solidão convicta (?), agora ela mostrava todo seu desagrado com isso (!). Ela sabia que agia assim e que agia assim por algum outro motivo que não sua estreita vontade. De alguma forma naquele momento ela confessava isso.

Eu precisava ir embora e disse a ela. Ela me disse que eu dormisse lá, respondi que tinha que ir e era verdade. Também era desconfortável me reconhecer um pouco no que ela falava. Vesti minha blusa, peguei minha mochila e me despedi. Alcancei a rua e o ar frio encheu meus pulmões, junto à noite avançada me trouxe um pequeno alívio. Busquei o último ônibus em direção a casa, esperando que ainda houvesse algum.

Um comentário:

  1. "(...) me trouxe um pequeno alívio". Despedir-se de uma pessoa sentindo falta de outra - ainda mais. Uma grande diferença entre nós dois é que isso você não ignora.

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